domingo, 25 de abril de 2010

A silenciosa aceitação do pavoroso enigma de viver o mundo.

"Ai de mim!", disse o rato, – "o mundo vai ficando dia a dia mais estreito, outrora, tudo era tão vasto que sentia medo e corri, corri até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro que estou já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair".
–"Mas o que tens a fazer é mudar de direção", disse o gato, devorando-o."
Franz kafka

Considerações: Tão vasto o mundo, muitas possibilidades de vivê-lo.
O Rato da fábula é o Homem; os muros, a Razão.
A Razão ajuda a delimitar, até um certo ponto, os nossos atos de vida; inspira confiança. Contudo a vida já é delimitada por forças incompreensíveis. Assim, a Razão não é mais que a compreensão dessas força. O rato parece saber a direção de seu caminho: a ratoeira (ratoeira — possível morte).
O gato é o mistério, o sem sentido, o absurdo, o inexplicável. Ele aconselha o rato a mudar de direção, sem, contudo, dar a ele a oportunidade de mudar. Talvez o rato já tivesse tido, sem saber, essa oportunidade; talvez o gato tivesse ironicamente justificado o seu conselho devorando o rato (garantindo, aliás, a sua alimentação e cumprindo o seu instinto de sobrevivência). No universo kafkiano, portanto, nada é explicável; tudo é, em silêncio, imenso e assustador… Não há resposta… E nunca haverá.